Numa das minhas incursões gastronómicas por Baião, não me deixar levar simplesmente pelo prazer da gula. Após minúcia pesquisa, dei de caras com a Fundação Eça de Queiroz (FEQ). Aquando da minha passagem pela Escola Preparatória, lembro-me de ter folheado algumas páginas das suas obras, mais concretamente "Os Maias" e "A Cidades e as Serras". Realço a parca valorização literária que dei na altura, possivelmente pela pouca cultura de leitura e falta de maturidade. Mas será que nestas idades estamos preparados para abraçar esta ambiência literária? os seus conteúdos, a sua escrita e a linguagem subliminar destas obras? ....
De realçar que a FEQ é privada e tem um contributo social fundamental a vários níveis, como: intervenção cultural, através de prestação de serviço informativo através de visitas guiadas e de ateliers pedagógicos. Note-se que entre 1997 e 2005 passaram por Tormes 136.789 pessoas das quais 73965 eram alunos e professores integrados em visitas escolares (registos da fundação). Promovem também atividades formativas como Ciclo de Conferências e Sendas Queirosianas e outras atividades promocionais, destacando-se em 2014 pelo Prémio Literário Fundação Eça de Queiroz.
Eça de Queirós |
No romance a primeira impressão foi de desilusão e desconsolo, pois Jacinto em Paris detestava favas. Mas após tímidas investidas surgem os seguintes comentários:
"Óptimo!...Ah, destas favas, sim! Oh que fava! Que delicia!"
"Deste arroz com favas, nem em Paris, Melchior amigo"
Arroz com favas à moda de Tormes (foto: TripAdvisor) |
Em termos turístico, a intervenção da FEQ não fica só pela cultura e divulgação gastronómica, apostando de igual forma no caminho pedestre percorrido pelo escritor, aquando da sua visita à Casa em 1982, tendo sido transposto para a Obra "A Cidade e as Serras", como o "Caminho de Jacinto". Dispõe ainda uma Casa de Turismo Rural remodelada, dispondo de 4 quartos, a Casa do Silvério.
Casa do Silvério (FEQ) |
Por fim também existe a aposta na intervenção agrícola e comercial. Na questão agrícola destaca-se o recente protocolo com a Quinta & Casa das Hortas para exploração, promoção e comercialização dos produtos vínicos e da marca Tormes e Fundação Eça de Queiroz.
Existe ainda espaço para a comercialização ao público de diversos produtos, desde compotas, geleias e livros, sito no antigo lagar de vinho da casa.
Lojinha de venda a público (antigo lagar) |
Diversas são as opções proporcionadas pela fundação para dar a conhecer este grande escritor do séc XIX. Uma das opção pode ser a visita guiada ao Núcleo Museológico, onde podemos observar um espólio de elevado valor cultural, histórico e formativo.
Outra forma de conhecer o Núcleo Museológico é de comboio, transporte várias vezes citado na Obra "A Cidade e as Serras", em que a saída faz-se na estação de Aregos e depois segue-se uma caminha pedestre até à casa, conhecido como o "Caminho de Jacinto".
Caminho de Jacinto |
A FEQ apresenta vários programas para grupos, destacando-se os programas: Cultura e Merenda Regional (duração meio dia), Cultura e Prova de Vinhos (duração meio dia) e o programa 1 dia em Tormes. Todos estes programas implicam um grupo no mínimo de 10 pessoas e incluem a viagem de comboio Porto/São bento - Aregos (ida e volta) e visita ao espaço Museológico da Casa de Tormes.
Como tinha organizado um roteiro antes de almoço, cheguei mesmo no início da ultima visita guiada da manhã, mais precisamente 12h00. A Casa de Tormes é uma casa museu ainda habitada, rústica, ladeada por vinhas e árvores, lindíssima, que lhe atribui um charme ímpar.
Estação de Aregos |
A anfitriã Sandra Melo fez as minhas delicias ao promover um ambiente queiroziano, um toque de cultura antes de almoço. Guia bastante preparada, solicita e cheia de pormenores acerca da vida e modus operandi deste fabuloso escritor.
Falando um pouco da sua história, mais precisamente da origem da Casa de Tormes, esta foi uma das herança da esposa de Eça. Há data as mulheres não tinham papel ativo na gestão dos dinheiros, foi então o marido, Eça de Queiroz que se encontrava a desempenhar o cargo de Consúl em Paris, que parte para Portugal para ver a casa e a quinta de Vila Nova (como era apelidada no início). Surpresa das surpresas, a casa era utilizada pelos caseiros como um gigantesco celeiro, desarranjado e desnudado de quaisquer comodidades. Como não sabiam da vinda de Eça, o aspeto não seria também o mais limpo, desta forma podemos imaginar a reação do parisiense.
Após esta resenha histórica, vamos iniciar a nossa visita guiada pela Sala de Entrada da Casa de Tormes. Nesta sala destacam-se três peças de mobiliários: A mesa do arroz de favas, mesa batizada pela fundação como narra o romance "A Cidade e as Serras", como sendo a primeira refeição de Jacinto servida na casa.
Nesta mesma sala podemos ainda realçar o arcaz de sacristia arcaz de sacristia, que servia para o padre guardar os paramentos para realizar os ofícios na capela e a cadeira de espaldar alto, a única cadeira que tinha para se sentar, sendo majestosamente comentada e descrita como a “Cadeira de Jacinto”, do romance "A Cidade e as Serras".
Após esta resenha histórica, vamos iniciar a nossa visita guiada pela Sala de Entrada da Casa de Tormes. Nesta sala destacam-se três peças de mobiliários: A mesa do arroz de favas, mesa batizada pela fundação como narra o romance "A Cidade e as Serras", como sendo a primeira refeição de Jacinto servida na casa.
"Mesa do arroz de favas" |
Cadeira do Jacinto |
Arcaz de Sacristia |
Percorrendo a casa em direção à biblioteca, podemos observar todo o tipo de objetos oriundos da casa de Paris. Foi pelo ano de 1900, aquando da morte de Eça, que a Emília de Castro Pamplona Resende, viúva e mãe de quatro filhos, decide regressar a Portugal e recomeçar do zero, trazendo consigo toda a mobília e espólio. Eça era grande e tinha por hábito escrever de pé, daí podemos observar a secretária alta com os seus aparos, tinteiro, castiçal e pisa-papéis.
Livros e mais livros na biblioteca, muitos deles ainda pertencentes aos sogros, datados dos séc. XVIII e XIX.
Eça era um homem muito bem relacionado na sociedade, e tinha por hábito organizar várias tertúlias com diversas personalidades de elite social, como o pintor Carlos Reis. Muitos chamavam-lhe o pintor da luz, o mágico do branco. Retratista da realeza, cronista de paisagens, assumindo-se como seguidor da estética naturalista e do culto ar-livrismo. Numas dessas tertúlias, ofereceu ao seu amigo Eça um quadro intitulado "Aurora".
Secretária |
Tombos (livros de registos de propriedades dos sogros) |
"Aurora" |
A presente foto da secretária do diplomata, não é mais do que uma reunião de família. Na imagem aparece a fotografia do Escritor com a esposa D. Emília de Castro Eça de Queiroz, da sua filha D. Maria Eça de Queiroz de Castro com o seu marido D. José de Castro e outra dela com um bebé, D. Manuel Pedro Benedicto de Castro e a sua esposa D. Maria da Graça Salema de Castro.
Secretária de Eça de Queiroz |
Outros dos seus convidados e amigos habitués , eram Carlos Mayer (médico, empresário e intelectual) e José Ramalho Ortigão (escritor e professor de Eça) que em parceria com Eça em 1871 elaboram os primeiros folhetos de As Farpas.
Eça de Queiroz e Carlos Mayer |
Na sala adjacente, temos a Sala Museu, onde observamos uma vitine central com uma Cabaia de Mandarim. Este vestido típico oriental (Manchu) foi presente do Conde de Arnoso (secretário do rei D. Carlos) , Bernardo Pinheiro de Melo em 1887, aquando de uma viagem a Pequim para a assinatura de um tratado luso-chinês. Mas a ligação de Eça ao oriente remonta ao ano de 1869 com a participação na inauguração do Canal do Suez, e claro não esquecer a novela/romance " O Mandarim" produzida pelo escritor.
Cabaia de Mandarim séc XIX |
Eça era um preocupado com a aparência, seguindo as tendências da moda, sendo possivelmente considerado um metrossexual nos dias de hoje. Na personagem Dâmaso Salcede n' "Os Maias" seria "um "chique a valer". Eça nunca saía de casa sem um chapéu ou uma cartola, tendo inclusive uma chapeleira de viagem para não os deformar.
Chapeleira |
No séc XIX não existiam computadores nem quaisquer sistema de armazenamento digital, mas Eça tinha um sistema de gavetas para organizar as suas notas por temas. Nunca saia de casa sem um lápis e papel para registar tudo o que via, por aqui podemos afirmar que Eça era uma pessoa meticulosa e bastante organizada.
Na Sala de Estar temos uma mistura de peças com comodidades atuais e peças antigas, como a Masseira (amassar o pão/broa) e o Sequeiro (para colocar as broas acabadas de sair do forno). Peça decorativa oferecida por Ramalho Ortigão aquando do casamento de Eça.
Masseira e Sequeiro |
A mobília da sala de estar veio diretamente da casa de Neuilly-Sur-Seine de Paris, com um belíssimo conjunto de sofás azuis.
Sala de Estar |
Na mesma sala podemos observar alguns dos pertences pessoais do escritor tais como as alianças de casamento, três dos seus monóculos, relógio de bolso, medalha da legião de honra francesa, assim como algumas da sua esposa como uma gargantilha em forma de serpente.
Objetos pessoais |
Agora entramos na Sala de Jantar, onde como em tudo no mundo de Eça, pauta o gosto pelo requinte e o luxo. Este estilo de vida luxuoso implica ter peças e louças de marcas bastante conceituadas e de primeira linha como a Vista Alegre, Limorges e Companhia das Índias. Ainda na Sala de Jantar podemos perfeitamente observar a inspiração do Escritor para a elaboração do romance "A Cidade e as Serras", através da vista da varanda. Daqui podemos mesmo idealizar todo o caminho percorrido por Jacinto até à casa e quinta de Vila Nova.
Vista da varanda da sala de jantar |
Passando para o Quarto, podemos observar algo incompleto, porque aquando do transporte um dos barcos naufraga e alguns dos pertences desaparecem de forma irremediável.
Quarto do Eça |
Não nos podemos esquecer que ainda no séc XIX, os casais dormiam em camas separadas. Ao longo do texto descrevo Eça como um homem alto e vemos uma cama pequena. Embora não muito religioso, Eça tinha uma superstição, na qual não dormia esticado como medo de chamar mais rapidamente a morte, daí dormir recostado com alguns almofadões para apoiar as costas.
Em cima da lareira temos um imponente quadro, com uma figura de destaque na vida de Eça, o seu avô paterno, Dr. Joaquim José Teixeira de Queiroz, desembargador e ministro da fazenda e da justiça. É com ele que Eça vive entre os seus 4 e os 10 anos de idade.
Dr. Joaquim José Teixeira de Queioroz |
Eça era filho de uma mãe solteira. No século XIX era completamente impensável, ainda mais no seio de uma família da alta sociedade portuguesa. Depois do 10 anos, segue-se o ingresso no Colégio da Lapa no Porto, onde vive em regime de internato até ir estudar para Coimbra, em 1861. Na personagem Maria Eduarda n' "Os Maias", retrata de forma negativa as mulheres, fazendo lembrar a rejeição da sua mãe.
Parte não menos importante da casa é mesmo a cozinha, na qual ainda restam da casa primitiva, a pia de pedra, a lareira e chaminé, e os nichos da parede onde se encontram os utensílios em cobre e latão.
Utensílios em latão e cobre |
Lareira e chaminé |
Fogão de ferro |
A última paragem foi a capela, sempre usada com símbolo de poder e riqueza de famílias. Capela datada do séc XVI, tão antiga quanto a casa, com um altar-mor em honra de Santo António. Os senhores da casa faziam a entrada pelo coro lateral, nunca se cruzando com os criados, que eram convidados à cerimónia mas ficavam na parte inferior e de pé. Daqui se depreende que nas capelas privadas não existiam misturas de classes sociais.
De certo foi o post que mais gozo me deu a fazer, pois a busca do saber e a pesquisa do conhecimento dá uma enriquecimento extraordinário em termos pessoais e culturais. Mais uma vez agradeço a disponibilidade e profissionalismo da minha anfitriã Sandra Melo.
Espero que tenham gostado... Obrigado e bem Hajam
Gostei muito da sua descrição pormenorizada.
ResponderEliminarServiu-me para completar as fotos que fiz recentemente numa visita à Casa de Tormes.
Obrigado
ADOREI.
ResponderEliminar